terça-feira, 22 de julho de 2008

Amor de mãe

No post anterior, fiz referência sobre os abandonados aos cuidados do Hospedale da Pietá. Lembro-me de ter visto em Nova York um livro exatamente sobre duas meninas do Hospedale e a luta entre elas para saírem e arrumarem-se junto a nobres, no século XVIII. Acredito que a tradução não foi lançada por aqui.

No mesmo dia daquele post, li no caderno Equilíbrio do jornal Folha de São Paulo uma notícia sobre a magia que há entre o sorriso dos bebês e suas mães. Estas últimas ficam como que dopadas em face da carinha daqueles primeiros. Através de estudos, descobriram que no cérebro são atividadas as mesmas zonas atingidas pela droga. Em outras palavras, um bem estar indizível e uma dependência atroz.

Quando tive minha filha fiquei encantada. Foi a convivência mais íntima e profunda da vida. Algo no nível dos Mistérios (os antigos e arcanos Mistérios dos gregos, cultos pagãos em que o iniciado era modificado nas entranhas, embora não pudesse contar, depois, o que havia acontecido). Detalhei mais sobre isso em um texto que escrevi, intitulado "A alegria de ser mãe", publicado na Folha de São Paulo, no dia das mães, em 2002 (apesar do google, não consegui localizá-lo).

Olhando para trás (o que deve ser evitado, porque corremos o risco de nos transformarmos em estátuas de sal) acho que fiquei mesmo encantada. Dependente, como uma drogada. Com a minha tendência de idealizar sempre tudo...

Na semana passada, tomei consciência de uma coisa diferente em minha mãe. Como ela está enxergando muito mal, leio os jornais para ela quase todos os dias. Não moramos juntas, só perto. Mas isso lhe dá tanto prazer que tento fazer sempre que posso. No final, ela pede que eu leia o horóscopo do filho. Detalhe importante: ela não se encontra com ele há uns 13 anos.

O 'spell' vai além de quando eles são bebês. Para algumas mulheres (não aquele grupo que descende de Médeia, que é capaz de matar a própria cria) o encantamento extravasa, e dura para o resto da vida.

Como a arte imita a vida (ou será o contrário, a vida imita a arte?) imaginei na hora um conto em que a mãe, octogenária, guarda a coleção de vinil do filho que não vê há décadas. Pelo menos uma vez por semana ela escuta um trecho de In a Gadda da Vida, do Iron Butterfly. Em lembrança do filho. Como ele era engraçadinho, assim, meio diferente, às vezes ela não o entendia muito bem, mas essa era a música favorita dele.

Hoje a música, um must lá pelos 68 ou 69, parece ingênua como música de carrossel. Nem aqueles que a cantaram entenderam direito: o título, todo misterioso, é o que eles conseguiam balbuciar, chapados que estavam no studio, no dia da gravação: In the garden of Eden. Sim mães, essas borboletas de ferro. Controladoras, mãos de aço, esvoaçando em jardins ideais, com asas de sonho, delicadas em suas cores nacaradas, que tem sua glória apenas por dias.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

10 dias depois e 2 leitoras a mais

Exultei quando nessa volta vi que as minhas Emas conquistaram duas leitoras. É como leite que se põe (ou se punha, porque hoje em dia parece que ninguém faz isso) para ferver: quando se dá as costas, ele extravasa. Não dei as costas. Nem Paraty (queria tanto ter ido à FLIP) nem para mim - para Campos do Jordão.
Escuto a Cultura. O programa é sobre Vivaldi. O apresentador comentou há pouco que os violinos na época barroca tinham o espelho mais curto. Aprendi que espelho, no violino, é aquela parte mais escura, que sai do corpo curvelíneo do instrumento e que serve de alça para o interprete (onde ele faz as notas). Por ter o espelho mais curto, o som barroco desse instrumento era mais grave. Por isso, as proezas e os agudos atingidos exigiriam, lá no passado, um exímio intérprete.
Claro que Vivaldi devia ser um bravíssimo violonista (Casanova também era, by the way). Mas esse compositor, padre, trabalhava, em Veneza, para o Hospedale de la Pietá. Lá pelos lados de onde hoje é o Hotel Daniele, um pouco além, tomando a Praça San Marco como base. O Hospedale era um orfanato, onde as meninas tidas em surdina, em casos extra-conjuguais, eram envidadas. E dá-lhe casos. No século XVIII, os Carnavais ocupavam quase todo o ano em Veneza. Tirando a Quaresma, quase todo o dia era Carnaval. Até durante o Natal. E as pessoas, pseudo-escondidas atrás das máscaras faziam mil e umas.
Os frutos dessas relações eram descartados. Muitas meninas foram mandadas para o Hospedale. Aí, para ocuparem o tempo e abrilhantarem as missas, aprendiam a cantar e a tocar. O professor era Vivaldi. Daí o fato de ele compor para formações variadíssimas: 2 violinos, cravo, viola e flauta, por exemplo. Era para dar lugar para todas.
A fama das meninas do Pietá espalhou-se pela Europa no século XVIII. Como ficavam atrás de uma treliça (como as concepcionistas, nas missas do Convento da Luz, em São Paulo), os homens passaram a fantasiar sobre elas. Faziam peregrinações à Veneza para assistir missas no Hospedale de la Pietá. Rousseau escreveu sobre elas; alguns nobres casaram-se com essas moças, que passaram a ser alvo de assédio contínuo.
Para celebrar a Lua cheia de hoje, só lembrando da glória e das histórias de Veneza, la Sereníssima. Onde dizem que o tiramissu foi inventado pelas cortesãs: depois de encontros acalorados, exaustas, comiam aquela mistura de mascarpone, ovos e café, para dar um "pick me up", um tira me sú (levanta-me), preparando-se para mais uma aventura.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

não é meu delírio

Muito rapidamente: há uns dias, afirmei que os 50 são os novos 30. Com alguma variação, é a matéria de capa da Veja. Antecipei-me.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Margaret Atwood: ninguém comentou

Margareth Atwood, uma de minhas escritoras favoritas, venceu o Prêmio Príncipe das Astúrias deste ano. Concorreu com ninguém menos que Ian McEwan (Reparação, Sábado, Na Praia), um dos autores que mais aprecio. Mas ela levou. Pergunto-me a razão de tanta parcimônia nas notícias e comentárioso.Li este http://www.estadao.com.br/arteelazer/not_art195718,0.htm,

mais este http://g1.globo.com/Noticias/PopArte/0,,MUL613180-7084,00.html, ambos contando mais ou menos a mesma história, inclusive fazendo uso de termos semelhantes.


Atwood foi cogitada para o Nobel no ano passado, quando da concessão do prêmio a Doris Lessing. Em comum: as duas têm obra extensa, exploraram a um certo momento a ficção científica, que até hoje carrega um certo estigma de desprezo da crítica (e não sei bem o porquê) e são defensoras ativas dos direitos humanos. Li as duas e, peço desculpas à eventual heresia, prefiro aquela primeira. É mais escritora do que esta segunda. Reli o Carnê dourado no ano passado, assim que soube do Nobel concedido à Lessing. Apesar de trechos muito interessantes, é um livro desigual e, mil perdões,datado e super estimado.



Até hoje guardo a emoção que tive durante a leitura de Madame Oráculo, em 1984, meu primeiro Atwood (e, como ensinou Washington Olivetto, o primeiro a gente nunca esquece). Um flirt com os romances góticos-eróticos, com labirintos, belos tenebrosos, espelhos, escrita automática, mistério e indagação. Foi indicação de um professor de inglês maravilhoso que eu tive, o Peter Price. Depois veio A mulher comestível, Surfacing, até que surgiu Os contos da Aia, seu primeiro best-seller aqui no Brasil. Este foi o que menos gostei.


Vieram, na seqüência, A noiva ladra, Alias Grace, The blind assassin, e Negociando com a Morte. O primeiro, li por volta de 1995 e o considerei o melhor livro do ano. O segundo não me entusiasmou muito, mas O assassino cego tirou-me o sono durante uma viagem de navio. E no último, ao discutir o processo da escrita, Ms. Atwood se superou.


Adoro saber o que os escritores acham do ato de escrever. E as reflexões desta escritora inglesa são ímpares. Para ela, escrever é negociar com a morte. O escritor desce aos infernos, ao reino de Hades, e dele retorna com sua escrita. Muitos descem, poucos sobem. Lembrar-se do que viu e saber contar depois que subiu é que é o "x" da questão.



Li e reli no trajeto São Paulo-Curitiba, tantas vezes trilhado no segundo semestre de 2006, quando fazia minha oficina de criação com o José Castello. Como já mencionei em um post anterior, saía de SP por volta do meio dia das quintas, chegava em Curitiba quase às 18:30. A oficina começava às 19:00, ia até as 10. Voltava para rodoviária, pegava o ônibus das 23:30 e chegava em casa antes das 6 da manha de sexta-feira. Aguentei isso por três meses. Mas acredito que passei a entender um pouco melhor a natureza de um conto.


Nunca diria, por exemplo, o que a Nélida Piñon disse no dia 1 de julho passado, quando da entrega do Prêmio SESC Literatura, edição 2007. Contaram-me que ela afirmou que os contos são rascunhos de livros a serem escritos. Por Diós! As praias são tão diferentes. Anyway, ela deve saber o que fala porque presidiu a Academia Brasileira de Letras e eu, pobre marqueza, aqui estou em São Paulo, passando frio, escrevendo para um blog que ninguém lê e imaginando a Festa em Paraty.

By the way, Margareth Atwood esteve na FLIP de Parati em 2001 . Como gostaria de ter ido lá ou de estar hoje lá. E Margareth, quando jovem, foi linda, magra, com uma vastíssima cabeleira fulva, nariz adunco, semelhante a uma figura pré-rafaelita. Eu também gostaria de ter um rosto mais anguloso, não tão harmônico e redondinho. A eterna insatisfação feminina.


quinta-feira, 3 de julho de 2008

os anos mais felizes de uma mulher

De uma coisa estou certa: os 10 anos mais felizes de uma mulher são aqueles dos 39 aos 40. Maurice Chevalier, aquele cantor de ar meio "coquin" (safadinho, é isso?), com um chapéu posto assim de ladinho, acompanhado de uma bengala, costumava cantar canções como Douce France (Douce France, cher pays de mon enfance...). Lembro-me dele em Gigi (Audrey Hepburn, Louis Jourdan).

Balzac lançou o marco na discussão, quando escreveu a mulher de 30. A fisionomia de uma mulher mostra-se nítida quando ela completa 30 anos. Balzaquianas. Lá pelo início dos 60 minha mãe completou 30 anos. Minha mãe nunca foi uma mulher convencional, mas a partir dos 30 passou a usar mais preto, pérolas e umas roupas definitivamente com cara de mãe. Completava-se 30 anos e algo de muito concreto acontecia.

Hoje, 50 são os novos 30.

terça-feira, 1 de julho de 2008

novamente as duas vidas

Durante o fim de semana, massageando a nuca (começo de hérnia na cervical), notei que meu lado esquerdo do pescoço está completamente diferente do direito. Este último é mais leve, desencanado, flexível e não dói. Aquele primeiro está inchado. É duro que nem uma tábua e dói muito, há anos. Sigo toda uma pajelança para soltá-lo: alongamentos mil, bolsa de água quente intercalada com de sal aquecido (calor húmido e seco). Chego a me desesperar na hora de dormir porque não encontro posição para acomodar esse lado do pescoço. Que inveja das mulheres do Modigliani.

Hoje me veio uma idéia: penarei, enquanto eu não colocar meus dois lados para trabalharem junto. São praias tão diferentes...Nunca me machuquei muito porque mantive sempre meu lado lunar sob controle. Hoje ele quer cada vez mais espaço. E dói, dói muito.

Tenho sentido vertigens quando fecho os olhos, como estivesse no meio de um rodamoinho, o Maelström do Edgard A. Poe. As coisas estão se misturando.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

live and strife

Quando escutava histórias sobre adolescentes, acreditava que eram lendas, mitos. Minha única filha chegou lá. Nem mito nem lenda.
Tentando instruir-me para jogar o jogo, dei uma olhada nos livros do Içami Tiba. O que li (Quem ama educa - adolescentes) me decepcionou. Começa com uma referência aos padrões do mercado: como a empresa moderna não é mais em forma de pirâmide, implicando relações de subordinação, a família contemporânea segue o mesmo modelo, contemplando relações de cooperação.
Estou certa que os Baby Boomers - hoje Aged Boomers - com medo de serem temidos (e não amados) por seus filhos acreditam nessa esparrela. Até no Paraíso existem anjos, arcanjos, querubins e serafins. Santos de primeira classe (que têm dias festivos só para eles, por exemplo Santo Antônio, São João e São Pedro) e Santos sem dia específico, que são festejados no Dia de Todos os Santos (1 de novembro). Acho que uma certa hierarquia é fundamental. Não adianta criar filho para um mundo que não existe. E no mundo há hierarquia.
As famílias envolvem sentimentos. É onde aprendemos a odiar(vide Caim e Abel e toda a literatura acerca dos irmãos) mas também a amar. Como o velho Sarte, é como varíola, temos uma única vez mas ficamos marcados para sempre.
Por envolver sentimentos, não podem ser comparadas a empresas, que envolvem processo produtivo e lucros (até as beneficentes devem visar lucros, objetivando a autonomia). Talvez eu possa despedir meu marido, mas nunca meu filho de 5 anos. Ou de 10. Ou até mesmo de 15. Eu estaria indo contra a lei (Código Civil que entrou em vigor em 2003) que estabelece que os pais são responsáveis pelos filhos até que esses completem 18 anos (ou 16, em caso de emancipação).
Por outro lado, mães não tem 13 salários, não ganham bônus, não tem férias. Nem ganham hora extra ou têm direito a repouso semanal. Não são promovidas, não tem sala de canto e água gelada, com vista para a Avenida Paulista. Pelo contrário, aquelas que ousam abrir mão da brilhante carreira de executiva são olhadas pelas outras, outros e quem sabe até por si mesmas como cidadã de segunda classe.
Não tem mais cartão de visita, carro da empresa e almoço espichado de sexta-feira.
Os adultos de hoje não são respeitados porque a juventude é um valor em si a ser perseguido. Essa idéia não é minha, mas do Zygmunt Bauman. Como um jovem respeita aquele(a) que tem inveja dele, que se esforça para parecer com ele? E dá-lhe toda uma indústria que vende juventude e felicidade eterna, em potes, injeções de botox, caras aparvalhadas e toneladas de fluoxetina.
Tenho certeza absoluta que minha geração está sendo um fiasco na educação de seus filhos.