sexta-feira, 20 de junho de 2008

live and strife

Quando escutava histórias sobre adolescentes, acreditava que eram lendas, mitos. Minha única filha chegou lá. Nem mito nem lenda.
Tentando instruir-me para jogar o jogo, dei uma olhada nos livros do Içami Tiba. O que li (Quem ama educa - adolescentes) me decepcionou. Começa com uma referência aos padrões do mercado: como a empresa moderna não é mais em forma de pirâmide, implicando relações de subordinação, a família contemporânea segue o mesmo modelo, contemplando relações de cooperação.
Estou certa que os Baby Boomers - hoje Aged Boomers - com medo de serem temidos (e não amados) por seus filhos acreditam nessa esparrela. Até no Paraíso existem anjos, arcanjos, querubins e serafins. Santos de primeira classe (que têm dias festivos só para eles, por exemplo Santo Antônio, São João e São Pedro) e Santos sem dia específico, que são festejados no Dia de Todos os Santos (1 de novembro). Acho que uma certa hierarquia é fundamental. Não adianta criar filho para um mundo que não existe. E no mundo há hierarquia.
As famílias envolvem sentimentos. É onde aprendemos a odiar(vide Caim e Abel e toda a literatura acerca dos irmãos) mas também a amar. Como o velho Sarte, é como varíola, temos uma única vez mas ficamos marcados para sempre.
Por envolver sentimentos, não podem ser comparadas a empresas, que envolvem processo produtivo e lucros (até as beneficentes devem visar lucros, objetivando a autonomia). Talvez eu possa despedir meu marido, mas nunca meu filho de 5 anos. Ou de 10. Ou até mesmo de 15. Eu estaria indo contra a lei (Código Civil que entrou em vigor em 2003) que estabelece que os pais são responsáveis pelos filhos até que esses completem 18 anos (ou 16, em caso de emancipação).
Por outro lado, mães não tem 13 salários, não ganham bônus, não tem férias. Nem ganham hora extra ou têm direito a repouso semanal. Não são promovidas, não tem sala de canto e água gelada, com vista para a Avenida Paulista. Pelo contrário, aquelas que ousam abrir mão da brilhante carreira de executiva são olhadas pelas outras, outros e quem sabe até por si mesmas como cidadã de segunda classe.
Não tem mais cartão de visita, carro da empresa e almoço espichado de sexta-feira.
Os adultos de hoje não são respeitados porque a juventude é um valor em si a ser perseguido. Essa idéia não é minha, mas do Zygmunt Bauman. Como um jovem respeita aquele(a) que tem inveja dele, que se esforça para parecer com ele? E dá-lhe toda uma indústria que vende juventude e felicidade eterna, em potes, injeções de botox, caras aparvalhadas e toneladas de fluoxetina.
Tenho certeza absoluta que minha geração está sendo um fiasco na educação de seus filhos.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

martini, será que dry?

Ontem, Dia dos namorados, véspera de Santo Antonio, fiz um doce de batata roxa para levar à festa que vou hoje à noite. Enquanto apurava o doce – cuja cor é linda, roxo paixão – tive um insight: faço coisas que as mulheres do século XIX faziam; fiz coisas que grande parte das mulheres do século XX fez e tento fazer, hoje, o que as muito jovens fazem: manter um twitter, por exemplo. O que é? Um blog em tamanho diminuto, atualizável a todo instante, em que a pessoa anota tudo o que faz. Será que isso realmente faz algum sentido?

Para mim faz. Voltei a usar o pseudônimo que adotei em meus primeiros dias de blogosfera, lá nos idos de novembro de 2004: berthe, uma homenagem à Ema Bovary e a sua filha, Berthe Bovary. É isso: tenho por base de cultura as leituras do século XIX. É claro que a base, uma vez que a ela adicionei já tanta coisa...

Sigo as receitas de doces daquelas mulheres de dois século atrás. Mas, como toda (ou quase toda, não é cabido generalizar) Baby Boomer, fui criada por pais que leram Liberdade sem medo (o must pedagógico nos idos 1960), era fã dos Beatles, Rolling Stones, lembro-me de maio de 1968 (inclusive da guerra FFLCH x Mackenzie na Maria Antonia). Comecei a trabalhar muito cedo porque quis: aos 18 anos, quando entrei para a Fac. De Direito, fui trabalhar em um cartório de um tio-avô (tão Balzac, que obrigado pela família também trabalhou em um cartório). Fiz política universitária USP, formei-me e no dia que colei grau (neguei-me a ir a festa de formatura, para mim uma formalidade sem sentido), saí de casa para morar sozinha. Entre todas minhas amigas, fui a primeira e praticamente a única. Meu pai teve uma conversa comigo: que ele me amava e me amaria para sempre, mas que o dia que eu saísse de casa não receberia mais um tostão dele. Esclareci que eu tinha um bom salário (e era verdade) e que em caso de urgência eu podia vender o carro (que era meu, comprado com meu dinheiro).

Mais ou menos, fazendo o balanço, antecipei muita coisa com relação às pessoas – principalmente as mulheres – da minha geração. Aos 13 anos, fui convidada para fazer uma matéria para a revista Manequim, da Abril, tornando-me, assim, uma das primeiras modelos mocinhas. Até então, só usavam uns mulherões. Não foi nada por acaso: eu escrevi para a editora e mandei minhas fotos. Escondi isso durante toda a vida, pois havia o preconceito que se é bonita não pode ser inteligente. Com 13 anos eu lia Sartre e minha melhor amiga me falou de Yeats. As quatro fases da Lua.
Até entrar na Faculdade, tirei uma porção de fotos (Manequim, uma Vogue,Suplemento Feminino do Estado de SP) e fiz alguns comerciais de TV (o mais visto, o do desodorante Rexona). Raramente as pessoas ligavam o nome à pessoa. Era tão fora do contexto que ninguém imaginava. Minha mãe sabia e deixava; meu pai nunca soube.

Eu queria ter uma carreira séria e tinha consciência de que aquilo era passageiro.

Antecipei-me quando fui estudar Direito Internacional, aplicado às operações comerciais e financeiras. Naqueles idos de 70, em um Brasil com uma economia fechadíssima, seguindo o modelo das substituições das importações, a maioria não via nenhum sentido. Estudei fora, fiz dois estágios no exterior (Paris e Luxemburgo), antes que isso fosse trivial como é hoje, em tempos globais. Fiz uma carreira até que bem legal no setor financeiro: cheguei a trabalhar em NY que, segundo Andy Wharol, é a comprovação do sucesso.
Meu tempo está se esgotando: aos 40 tive uma filha. De novo, na frente da tendência atual de adiar a maternidade ao máximo para não atrapalhar a carreira.
Reinventei-me depois da maternidade, porque queria ser uma mãe presente, às antigas. Fui para o lado acadêmico e tornei-me doutora em 2003. Comecei duas novas carreiras: acadêmica e literária. Acabei a tese de doutorado e comecei a escrever o romance com que conquistaria o Prêmio SESC Literatura – 2004. Terminei o romance, As netas da Ema, e comecei este blog, que na sua primeira encarnação era o netasdaema.zip.net. Meus amigos, na época, não sabiam o que era blog.

Resolvi experimentar “twittar”. Hoje me divido em pedaços: advogada (sou sócia de um escritório), concluo meu segundo romance, comecei a escrever contos e – principalmente – tenho uma filha adolescente, transpirando hormônios e falta de educação. O que será que brota desta mistura? By the way, meu twitter é o www.twitter.berthe

segunda-feira, 9 de junho de 2008

le smoking


Yves Saint Laurent, que faleceu há pouco, definia como elegante a mulher que usava uma saia preta, um sweater da mesma cor e tinha o homem amado a seu lado. É de suspirar.
Quando soube que era a ganhadora do Prêmio SESC Literatura, o que aconteceu no começo de fevereiro de 2005, depois de ficar tonta de alegria, a primeira questão que eu me fiz foi: e com que roupa eu vou receber o prêmio?

Proust escreveu que qualquer tristeza na vida de uma mulher passa quando ela compra um vestido novo. Durante décadas, vi isso com muita suspeita. No meu caso não era tristeza mas, sim, muita alegria. Comprei um smoking, o primeiro da minha vida. Se não alta costura, ficou próximo. Uma quase couture, como dizem nos Estados Unidos Foi daquelas peças cujo acabamento é feito no corpo da pessoa. Comprado na Viva Vida, no Iguatemi, loja muito chique que nem sei se existe ainda (a de Higienópolis fechou e a da Vila Madalena tem outra proposta). Não repetiria isso, hoje em dia. Porém, de qualquer jeito, tenho meu “le smoking”.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

duas vidas

Parece título de novela. Mas o filósofo Gaston Bachelard - que me inspira - defendeu que tinha dois pensamentos: o diurno, dedicado ao estudo da filosofia das ciências, e o noturno, voltado para a literatura, mito e poesia. Ciência e devaneio. Aprofundei minhas leituras sobre o pensamento noturno de Bachelard quando estudava Direito em Dijon. Terra da mostarda, dos grand crus da Bourgogne, do cassis e dos escargots, para mim foi também terra de deleite como leitora.

Se tivesse estudado tudo durante a semana, meu prêmio, aos sábados, depois da aula de culinária (sim, estudei culinária em Dijon, de forma paralela ao meu mestrado em Direito do Comércio Internacional), comia uma religieuse - uma espécie de eclair duplo, recheada com um creme aveludado e sensual - e ia ler na biblioteca pública. Esta tinho sido instalada em uma antiga capela do século XI, desativada. Realmente, era o paraíso.

Além das leituras aos sábados, que se tornaram para mim tão sagrados como o shabbat, havia as aulas de literatura francesa, a que eu assistia como ouvinte, na Fac. de Letras da Universidade. O curso era sobre literautra romântica francesa no século XIX, ministrado por um professor sírio - le sirien avez les yeux de velours. Com ele dissecamos, entre outros, Gerard de Nerval. "Tombez roses blanches, tombez de ce ciel qui brûle parce que la sainte de l' Abîme est plus sainte a mes yeux (citado de memória)".
Nesse curso eu era acompanhado por meu então boy friend (durante o tempo que vivi em Dijon tinha um namorado americano, colega de curso de Direito. Interessantemente, falávamos só em francês. When in Rome, do as the Romans do. E seu inglês era tão lindinho, todo cantado, porque era de Atlanta - meu Reth Buttler, dá-lhe "e o vento levou". Seus pais eram professores de literatura e ele lia até que bastantinho. Hoje, ele é advogado em Miami, nos falamos muito de vez em quando, ainda em francês).

Voltando ao Bachelard, seu pensamento noturno é poesia pura. Dá para sentir pelos título: A poética do devaneio, A poética do espaço, A água e os sonhos (ensaio sobre a imaginação da matéria) e assim por diante. Tenho todas as traduções em português editadas pela Martins Fontes. Os originais em francês estão naquela capela em Dijon. Bom lugar para serem guardados.

Pensamento diurno e noturno: o Direito para im foi sempre aquele primeiro, enquanto a literatura ficou por conta deste segundo.Ou, em outras palavras, o primeiro foi meu marido, o segundo, o amante.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

com a chuva, só o Sol da Itália



Depois de uma noite amena, uma madrugada de chuva e manhã de frio. Como a Rússia, em todas suas guerras desde Catarina, procuro uma saída para um mar quente, que não congele no inverno. A vacina é a lembrança da luz dourada dos macchiaioli. Como a beleza de Stendhal. uma promessa de felicidade.


terça-feira, 3 de junho de 2008

Como estou concluindo um livro, escrevo bastante, durante todos momentos que posso (que, contrariando o que possa parecer, não são muitos: minha formação é em Direito, escrevo também nessa área e, apesar de aparecer pouco no escritório do qual sou sócia, sempre tem alguma coisa para fazer, ainda que seja uma “social”, como costumo dizer. Além disso, tenho uma casa - onde sou o “maître de maison”- para cuidar, o que implica contas, compras, consertos, arranjos etc). Em um paralelo com a obra de Dali, daquelas mulheres com muitas gavetas,uma cabeça com muitas, mas muitas gavetas...




Ao mesmo tempo, tenho que ler muito, porque o livro é uma biografia histórica. No domingo, assisti a uma palestra do Fernando Morais, no Festival da Mantiqueira, Diálogos com a Literatura. Ele citou uma lição do Gabriel Garcia Marques, durante um curso na finada (acredito eu) Escola Internacional de Cinema, em Cuba (visitei tanti anni fa): quando você descrever a porta de um hotelzinho em Paris, saiba quantos degraus tem a escada que vem depois, ainda que você não use isso. Uau..., pensei eu. Não estava tão equivocada. Passei muito tempo estudando a moda na segunda metade do séc. XIX, as flores, perfumes e as cores do mar nas baías de Guanabara e de Nápoles, as comidas, enfermidades, chistes, hábitos, músicas etc. E é tudo muito disperso, além de ser necessário checar cada informação (por mais que insista com minha filha, nem tudo o que se acha na NET é verdade...).
Com isso, chego não ao final do dia, mas ao meio-dia já exausta. Parece até “malo ojo”, como dizem em Espanha.

Anyway, havia preparado ontem um texto gracinha sobre minha ida ao Festival da Mantiqueira.



Fiquei em São José dos Campos, e não em Campos do Jordão, como previra inicialmente. No sábado e no domingo, acordei cedo e peguei a estrada para São Francisco Xavier, que é a antiga estrada para Campos do Jordão. Trilhada inúmeras vezes em minhas férias de infância e adolescência, fez com que eu pensasse muito em tempos passados.
Vinha sempre à cabeça a poesia de Leopardi, ...Vagas estrelas da Ursa, quem diria voltar ao jardim paterno para mirá-las... (citado de cabeça uma vez que não tenho muito tempo para procurar nas estantes o livro). Leopardi, cujo túmulo encontra-se em Nápoles (e o que de especial nesse mundo não está em Nápoles, até minha personagem) inspirou com esses versos o filme de Visconti, de mesmo nome – Vagas estrelas da Ursa. Claudia Cardinale e Alain Delon (era ele mesmo?). Os dois irmãos voltam para Volterra, nas vésperas do casamento da irmã e recordam-se da ligação incestuosa da infância. Será que era isso mesmo? Se não for é parecido.

Bref, indo pela estrada, colorida com o rosa forte das flores de paineiras, lembrava de minha mãe dirigindo uma imensa banheira (um Dodge Dart azul escuro metálico), eu e meu irmão no banco de trás, brigando todo o tempo e minha mãe advertindo: - “Parem, senão eu é que paro e daí vocês vão ver”. É o castigo de toda mãe: hoje eu vejo como devia ser difícil para ela, trabalhar o dia todo, nos pegar no final da tarde, botar tudo no carro e partir para Campos. Meu pai trabalhava em Jacareí. Já era noitezinha quando passávamos por lá, o pegávamos (ele sempre observava que nos esperava desde às 5 da tarde) e íamos jantar em São José dos Campos. Depois do jantar é que ganhávamos a estrada para Campos do Jordão, a mesma que nesse fim de semana levou-se à São Francisco Xavier.
Cada touceira de bambu parecia para mim, à noite, um bando de fantasmas agourando nossa passagem. Nesse fim-de-semana vi que os bambus cresceram tanto nessas últimas décadas que seus penachos projetam-se para cima da estrada, unem-se no alto e formam ogivas, como nas catedrais góticas européias. Como o tempo transforma tudo: desde minhas recordações, até a vegetação ao lado da estrada.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

minha leitora macchiaioli

Há alguns posts mencionei os macchiaioli (como escrevi, escola de pintores florentinos e napolitanos da segunda metade do século XIX, cuja proposta era retratar o codiano e a luz da península italiana (recordando que só se deve falar em Itália depois de 1861, data da unificação e criação do reino da Itália). No meio da névoa paulistana é a lembrança do Sol da Itália que aquece meu coração.