terça-feira, 3 de junho de 2008

Como estou concluindo um livro, escrevo bastante, durante todos momentos que posso (que, contrariando o que possa parecer, não são muitos: minha formação é em Direito, escrevo também nessa área e, apesar de aparecer pouco no escritório do qual sou sócia, sempre tem alguma coisa para fazer, ainda que seja uma “social”, como costumo dizer. Além disso, tenho uma casa - onde sou o “maître de maison”- para cuidar, o que implica contas, compras, consertos, arranjos etc). Em um paralelo com a obra de Dali, daquelas mulheres com muitas gavetas,uma cabeça com muitas, mas muitas gavetas...




Ao mesmo tempo, tenho que ler muito, porque o livro é uma biografia histórica. No domingo, assisti a uma palestra do Fernando Morais, no Festival da Mantiqueira, Diálogos com a Literatura. Ele citou uma lição do Gabriel Garcia Marques, durante um curso na finada (acredito eu) Escola Internacional de Cinema, em Cuba (visitei tanti anni fa): quando você descrever a porta de um hotelzinho em Paris, saiba quantos degraus tem a escada que vem depois, ainda que você não use isso. Uau..., pensei eu. Não estava tão equivocada. Passei muito tempo estudando a moda na segunda metade do séc. XIX, as flores, perfumes e as cores do mar nas baías de Guanabara e de Nápoles, as comidas, enfermidades, chistes, hábitos, músicas etc. E é tudo muito disperso, além de ser necessário checar cada informação (por mais que insista com minha filha, nem tudo o que se acha na NET é verdade...).
Com isso, chego não ao final do dia, mas ao meio-dia já exausta. Parece até “malo ojo”, como dizem em Espanha.

Anyway, havia preparado ontem um texto gracinha sobre minha ida ao Festival da Mantiqueira.



Fiquei em São José dos Campos, e não em Campos do Jordão, como previra inicialmente. No sábado e no domingo, acordei cedo e peguei a estrada para São Francisco Xavier, que é a antiga estrada para Campos do Jordão. Trilhada inúmeras vezes em minhas férias de infância e adolescência, fez com que eu pensasse muito em tempos passados.
Vinha sempre à cabeça a poesia de Leopardi, ...Vagas estrelas da Ursa, quem diria voltar ao jardim paterno para mirá-las... (citado de cabeça uma vez que não tenho muito tempo para procurar nas estantes o livro). Leopardi, cujo túmulo encontra-se em Nápoles (e o que de especial nesse mundo não está em Nápoles, até minha personagem) inspirou com esses versos o filme de Visconti, de mesmo nome – Vagas estrelas da Ursa. Claudia Cardinale e Alain Delon (era ele mesmo?). Os dois irmãos voltam para Volterra, nas vésperas do casamento da irmã e recordam-se da ligação incestuosa da infância. Será que era isso mesmo? Se não for é parecido.

Bref, indo pela estrada, colorida com o rosa forte das flores de paineiras, lembrava de minha mãe dirigindo uma imensa banheira (um Dodge Dart azul escuro metálico), eu e meu irmão no banco de trás, brigando todo o tempo e minha mãe advertindo: - “Parem, senão eu é que paro e daí vocês vão ver”. É o castigo de toda mãe: hoje eu vejo como devia ser difícil para ela, trabalhar o dia todo, nos pegar no final da tarde, botar tudo no carro e partir para Campos. Meu pai trabalhava em Jacareí. Já era noitezinha quando passávamos por lá, o pegávamos (ele sempre observava que nos esperava desde às 5 da tarde) e íamos jantar em São José dos Campos. Depois do jantar é que ganhávamos a estrada para Campos do Jordão, a mesma que nesse fim de semana levou-se à São Francisco Xavier.
Cada touceira de bambu parecia para mim, à noite, um bando de fantasmas agourando nossa passagem. Nesse fim-de-semana vi que os bambus cresceram tanto nessas últimas décadas que seus penachos projetam-se para cima da estrada, unem-se no alto e formam ogivas, como nas catedrais góticas européias. Como o tempo transforma tudo: desde minhas recordações, até a vegetação ao lado da estrada.

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