terça-feira, 17 de julho de 2007

terroristas e Madame Bovary

No suplemento de fim de semana (13-15 de julho de 2007) do Valor Econômico (acesso exclusivo para assinantes) saiu uma entrevista com André Glucksmann, a propósito de sua mais recente obra publicada, “O discurso do ódio”. Para quem não se lembra, M. Glucksmann (e espero o comentário da Horvallis) foi um dos jovens filósofos que puseram bastante lenha na fogueira em 1968 – juntamente com Daniel Cohen-Bendit – e depois optaram por uma via bem mais conservadora. Nesse livro, ele discorre sobre o terrorismo, afirmando que não há ideal que justifique um ato terrorista. Vai lá no passado distante, cita Medeia, seu ódio e o sacrifício de seus filhos diante do abandono e da traição de Jasão. Pulando para data mais recente, cita Madame Bovary: ela não seria uma romântica doentia, mas alguém com ódio no coração, ódio esse que traz desgraça para toda a família: o suicídio de Charles Bovary e o abandono da filha Berthe, entregue aos cuidados de uma tia e enviada para a “máquina de moer carne”que eram as tecelagens no século XIX.

Em um livro anterior, “Dostoievski in Manhattan” (s/ tradução por aqui) Glucksmann comparou Ema a alguém nada menos que Mohammed Atta, um dos pilotos suicidas do 11 de setembro). O fato levou Mario Vargas Llosa, fã incondicional de Ema – segundo ele, a mulher com que todo homem sonha – a afirmar, elegantemente, que um bom pensador pode revelar-se um mau crítico literário.

Sobre esse assunto Gluksmann discorre na entrevista dada ao Valor: “Tenho enorme estima por Vargas Llosa, pelo homem, por seus escritos, por suas convicções. Mesmo se nós lermos Flaubert de maneiras diferentes. Confesso não ter uma leitura romântica de Ema Bovary. Estou longe de crer que se trata de uma heroína pura, imaculada, esmagada por um mundo provinciano, retardatário e reacionário. Eu a vejo antes como vítima dos romances de amor que Flaubert não apreciava. Ela semeia o desastre em torno dela em nome de um paraíso imaginário, à maneira dos loucos de Deus (ou dos bolcheviques). É uma Medéia de província que leva, postumamente, seu marido ao suicídio e abandona sua pequena fillha ao inferno das fábricas do século XIX francês. Medeia e Ema se dão as mãos. As duas são bombas humanas niilistas”. Uau! Será que tudo por que quem assina isso acabou de completar 70 anos?

Um comentário:

Horvallis disse...

Eugenia,
Não li o livro de Glucksmann. Sempre achei os chamados "novos filósofos" péssimos. Eles são os filósofos da mídia, e para existir na mídia é preciso tomar posturas, ter teorias extremistas ou chocantes. Acho que essa comparação da Ema com os terroristas pertence dessa lógica. A comparação de Ema com o terrorista não faz sentido. Também acho que a Ema e a Medéia não têm muito em comum, tirado o fato de ambas serem mulheres.
Quando li essa comparação tão idiota, e vendo os nomes de Ema e Medéia, pensei em Pasolini. Gostei muita da leitura que ele fez do mito de Medéia. Sei que ele escreveu sobre Ema. Procurei no livro de críticas literárias que ele fez, mas o texto sobre a Ema não está. Você já o leu ? Gostaria muito de conhecer a opinião dele. Deve ser muito mais interessante do que o que o pobre do Glucksmann tem a dizer sobre assuntos que ele não entende.
Beijos